O Valor da Rotina Doméstica: O Lar Como Poema Vivido
- Victória Andrade
- 20 de jun.
- 2 min de leitura
Vivemos em uma época em que o mundo parece girar mais rápido do que conseguimos acompanhar. As promessas da mobilidade, da flexibilidade e da inovação constante tornaram-se palavras de ordem — e com elas, muitas vezes, perdemos o sentido de pertencimento, o ritmo dos dias e até mesmo o valor do que é simples.
É nesse contexto que os escritos de Wendell Berry ressoam como um sussurro firme: “volte para casa”.
Berry, poeta e agricultor americano, é um dos grandes defensores do enraizamento. Ele acredita que a verdadeira liberdade não está em poder ir para qualquer lugar, mas em pertencer profundamente a um lugar só, em fazer parte de uma terra, de uma rotina, de uma casa. Para ele, a vida doméstica — com seus pequenos gestos repetidos, suas estações, suas tarefas — não é menor ou banal. É sagrada.
O lar como solo fértil da alma
Na visão de Berry, a casa não é apenas uma construção. É um organismo vivo que nutre os laços, dá forma ao tempo e oferece abrigo para a memória. É ali, na repetição das tarefas cotidianas — preparar o pão, cuidar do jardim, arrumar a mesa — que construímos a verdadeira liberdade: aquela que nasce da intimidade com o que é nosso, do cuidado e do compromisso com a vida comum.
Essa visão encontra eco nas descobertas da neuroarquitetura, que mostra como os espaços familiares, ordenados e afetivos ativam áreas do cérebro ligadas à segurança, ao relaxamento e à produção de hormônios como a ocitocina, responsável por gerar vínculos e bem-estar. A casa, então, não é apenas onde vivemos. É onde nos tornamos quem somos.
A arquitetura da permanência
Inspirar-se em Wendell Berry é também um convite à arquitetura que respeita o tempo. Que acolhe a luz das manhãs. Que guarda um canto para o silêncio. Que entende que o lar não é feito apenas de estética ou função, mas de ritual, afeto e história.
Em um mundo obcecado por novidades, Berry nos lembra da beleza da constância. De como uma casa pode ser um poema vivido, onde cada objeto tem memória e cada gesto cotidiano tem sentido. Ele nos convida a repensar: será que a felicidade não mora justamente na repetição? No café sempre às sete, na toalha estendida ao sol, no barulho conhecido da madeira sob os pés?